sábado, 20 de fevereiro de 2016
BRIOCHES - De perder a cabeça
Sexta feira é dia de fornadas de brioches na micro padaria da minha casa, que carinhosamente apelidamos de petit Boulangerie - um prazer que virou um pequeno negócio.
Assados os brioches, antes de embalar e compartilhar com clientes e amigos, fazemos uma pausa pra um café reconfortante com um ou dois pãezinhos amanteigados que propositalmente sobraram - sem dono. Desenformados, ainda quentes, inundam a cozinha com seu aroma apetitoso. Fatiados, quase dispensam acompanhamento. Na boca, dissolvem provocando deliciosamente os sentidos.
Lembrei Maria Antonieta. Não por sua adoração por croissants, nem pela polemica frase atribuída a ela - "Se não tem pão, que comam brioches" -, e que envolveu os inofensivos pãezinhos e a revolução francesa. E sim, que, por um brioche retirado do forno e posto direto à mesa do café, eu também perderia a cabeça.
O brioche faz parte da viennosserie francesa - uma extensão da Boulangerie responsável por fornadas de pães enriquecidos com manteiga e ovos, e que recebe esse nome por ter sua origem atribuída aos padeiros vienenses. Diferente do croissant que, durante a produção, folhas de manteiga são intercaladas com a massa, resultando num pão folhado e crocante, no brioche a manteiga é integrada a massa já trabalhada, nos cedendo um pão fofo e amanteigado de casca fina e macia.
A produção começa bem cedo, nas primeiras horas do dia. Decidido quantos brioches irão para o forno, separo e peso os ingredientes - líquidos e secos. Começo misturando a farinha (250g), o sal (4g) e o açúcar (30g). Reservo.
Noutra bacia dissolvo o fermento biológico (20g) com um pouco de leite (60g)levemente aquecido. Acrescento os ovos (2unid). Misturo.
Junto os ingredientes secos da primeira mistura. Usando as mãos incorporo tudo. Deixo descansar por 15 minutos.
Passado o tempo é hora de trabalhar a massa, posso jogá-la numa bancada ou sovar dentro da bacia. Prefiro a segunda opção. Menos sujeira. Com um mão seguro a bacia sobre a bancada, com a outra vou revirando a massa por sobre ela, com vigor. Acrescento um pouco de farinha para não grudar muito. Controlo-me. Muita farinha a deixará pesada. Estará pronta quando não mais grudar e estiver lisa e elástica.
Junto a manteiga (200g)
Ainda na bacia, achato a massa e coloco sobre ela, no centro, um quadrado de manteiga com consistência ligeiramente amolecida. Fecho como se fosse envelopar.
Sovo. Vou revirando massa e manteiga. Parece que tudo irá desandar. Precisa paciência e determinação. Continuo sovando. O braço dói. Continuo sovando. Vários minutos depois, sinto que venci. Dentro da bacia o resultado é uma bola de massa lisa, macia e brilhante. Nem sinal de pedaços de manteiga. Tudo foi incorporado.
Hora de descansar, massa e eu. A massa vai pra geladeira coberta com um pano ou tampa onde ficará durante 1:40h para a primeira fermentação. Eu vou vou pro sofá descansar e ver na televisão qualquer coisa durante os próximos cem minutos.
O relógio desperta e me desperta. Passou o tempo. Acendo o forno e o controlo para a temperatura de 190ºC. Na geladeira a massa cresceu e resfriou. Jogo a bola gelada na bancada enfarinhada. Divido em 3 partes e moldo 3 bolinhas. Coloco-as numa forma média de bolo inglês untada. Cubro com um pano e deixo descansando por 40 minutos - segunda e última fermentação. A massa irá crescer quase dobrar de tamanho.
Antes de levar ao forno pincelo a massa com uma mistura de gemas, água e sal. Ajudará o pão pegar uma cor.
O brioche assará em aproximadamente 40 minutos. Após meia hora, abro a porta do forno para ver a quantas anda meu pão. Todo cuidado é pouco. Se necessário aumento ou diminuo a temperatura.
Cumprido o tempo retiro do forno e desenformo. Deixo descansando alguns minutos sobre uma grade para que a vapores não se acumulem no fundo, umedecendo em demasia.
Está pronto. Hora de perder a cabeça.
Inté!
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
CRÈME BRULÉE - Cultivando pequenos prazeres
Vou falar sobre uma sobremesa francesa tradicionalíssima que, ultimamente, caiu no gosto dos brasileiros desbancando nosso velho conhecido - e já batido - petit-gateau. O crème brulée é um pudinzinho de leite e ovos, finalizado com uma tentadora camada de açúcar queimado em sua superfície. Apesar de mundialmente conhecido como uma iguaria dapatisserie francesa, sua origem desde sempre rende calorosas discussões. Os espanhóis defendem com unhas e dentes a versão de que o crème bruléenada mais é do que uma variante da crema catalanha surgida no século XVII. Na terra da rainha, os ingleses juram que o creminho queimado é uma interpretação do Burnt cream. E ainda em Portugal ela recebe o nome deLeite-creme. De uma coisa ao menos concordam: todas as variações partem de uma receita base, o creme anglaise - gemas, creme de leite e açúcar. A partir daí, ela oferece infinitas possibilidades de sabor. É só deixar a criatividade voar.
O crème brulée, alem de saboroso e elegante, instiga outros sentidos. O creck da colher quebrando a camada crocante de açúcar e sua cremosidade gelada são surpresas agradáveis para qualquer paladar. É alegre ver a personagem de Andrey Tauton no filme francês "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" cultivando um gosto por pequenos prazeres: enfiar a mão num saco de grãos, jogar pedras no canal St. Martin e... adivinhem? Quebrar a casquinha de açúcar do crème brulée com uma colher.
Tenho uma receita que vez ou outra faço em casa. Retirei ela de um grande e pesado livro de técnicas culinárias: Chef Profissional - Instituto Americano de Culinária.
A receita é ótima e, depois de tentar outras tantas, foi a que me encheu de pequenos prazeres. Vamos fazer?
Precisaremos apenas de quatro ingredientes (creme fresco, ovos, açúcar e baunilha) para fazer uma das mais sofisticadas e elegantes sobremesas da terra de Charles de Gaulle. O processo, um pouco lento, precisa de atenção. O final, surpreendente.
Um pequeno maçarico culinário será indispensável para o gran finale, para quando for fazer o espelho de açúcar sobre o creme, quase sempre rodeado de pares de olhos curiosos. Assim, se decidir seguir adiante você precisará ter em mãos esse brinquedinho culinário, encontrado em qualquer loja de presentes. Como diz uma poética amiga, fã do creminho queimado: o crème brulée que esqueceu de ser flambado será nutritivo, porém pouco atraente, leve e nada tentador, calmante e pouco excitante, doce mas desbotado, desfalecerá sem fazer barulho...um casamento sem desejo.
Uma última dica antes de começar: se possível faça com um dia de antecedência, pois o creme precisará estar gelado quando for fazer o caramelo na superfície, não queremos que o calor do maçarico interfira na consistência do creme.
Comece combinando 960ml de creme fresco, 115g de açúcar e uma pitada de sal. Leve essa mistura ao fogo e ferva suavemente em fogo médio, mexendo delicadamente com uma colher de pau. Retire do fogo.
Abra uma vagem de baunilha, raspe as sementes e junte a vagem e as raspas a mistura do creme fresco. Tampe e deixe em infusão por 15 minutinhos.
Leve de volta ao fogo e espere ferver.
Enquanto isso, combine 160g de gemas batidas com 25g de açúcar e coloque essa mistura no creme quente. Coe e ponha em ramequins de 180ml, enchendo-os até 3/4 da altura.
Asse em banho-maria a 165ºC só até ficarem sólidos, isso demorará mais ou menos uns 25 minutos.
Retire os cremes do banho-maria tomando cuidado para não deixar entrar agua, seque o fundo dos ramequins. Deixe-os na geladeira até ficarem bem gelados.
Para terminar o crème brulée, coloque uma camada fina de açúcar sobre a superfície de cada creme. Use o maçarico de propano para derreter e caramelizar o açúcar. Sirva.
Ps: Depois me conte sobre aquele pequeno prazer quando quebrar a casquinha do seu crème brulée.
Inté!
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
CONFITANDO
Na véspera do cozimento, preparei uma marinada seca com tomilho, sálvia e alecrim e envolvi nos pedaços de carne. Uma lua depois, os cortes de pato foram bem secados, imersos na gordura, e aquecidos suave e gradativamente por algumas horas, tentando a todo custo não deixar a temperatura ultrapassar os 90ºC - a ideia é ter uma carne cozida e não frita, manter a temperatura baixa é fundamental para um verdadeiro confit. Findo esse processo, drenei as coxas e sobrecoxas e as coloquei no pote de barro. Retirei todo suco e resíduos que haviam ficado na gordura - para evitar uma possível deterioração - aqueci novamente e derramei sobre a carne. Selei o pote e... guardei na geladeira. Isso mesmo, hoje temos geladeira, freezer e tantos outros métodos para armazenar alimentos.
Em tempos passados, o mundo também precisava armazenar alimentos e não dispunha de meios modernos para ajudar. Então, além da salga e outras poucas técnicas, aprendemos a cozinhar peças de carne e guardá-las cobertas com uma grossa camada de gordura, evitando o contato com o ar - estavam confitando. Por séculos foi assim que se garantiu o consumo de carne durante todo o ano.
Embora não precisemos mais cozer alimentos desse modo para armazená-los, utilizamos a técnica por resultar num sabor muito bom. O confit deixa a carne untosa, suculenta, macia e numa pele que, se adequadamente reaquecida, fica crocante e gostosa. No uso moderno - segundo Harold McGee - o conceito de preservação do confit perdeu força para os de imersão, impregnação, transição de sabores e preparação lenta e cuidadosa.
O confit de canard, surgiu no sudoeste da França, no século 19. E até hoje, tal qual a tigelinha de feijão em geladeiras brasileiras, é difícil por lá uma casa sem um pote de pato confitado. Muito apreciado no Natal e almoço de domingo, o prato é servido com batatas ou legumes, arroz, desfiado com saladas e indispensável à feijoada francesa, o cassoulet.
Na última segunda-feira, de folga, convidei um casal de amigos para jantar em casa - um ótimo e agradável pretexto para dar cabo a minha ansiedade, afanar algumas coxas do pote, ver a quantas andavam. E, entre conversinhas e bebidinhas, colocar em prática meus atributos culinários. Retirei algumas peças, deixei uma parte generosa da gordura sobre a pele e levei ao forno já aquecido. À medida que a gordura foi derretendo, a casa foi invadida por aromas deliciosos - e pelo vidro do forno acompanhei a transformação da pele . Deixei mais alguns minutos para que a tal reação de Maillard terminasse e deixasse a pele dourada. Perfeita.
Para acompanhar, nada muito complicado. Batatas sauté com alho e salsinha e cogumelos frescos cozidos na gordura, que se desprendeu do pato.
Ah, e um bom Merlot aveludado e macio de Saint Emilion, Bordeaux, França.
Inté!
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