terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

CONFITANDO

O almoço de Natal deste ano, começou a ser planejado e preparado ainda em outubro, mais ou menos no final da primeira quinzena. Na lista de compras, poucas coisas: coxas e sobrecoxas de pato, a gordura do mesmo e  ervas frescas. Precisarei de um  pote de barro, que consegui emprestado de um amigo. Se tudo certo, no menu natalino teremos  confit de canard.

Na véspera do cozimento, preparei uma marinada seca com tomilho, sálvia e alecrim e envolvi nos pedaços de carne. Uma lua depois, os cortes de pato foram bem secados, imersos na gordura, e aquecidos suave e gradativamente por algumas horas, tentando a todo custo não deixar a temperatura ultrapassar os 90ºC - a ideia é  ter uma carne cozida e não frita, manter a temperatura baixa é fundamental para um verdadeiro confit.  Findo esse processo, drenei as coxas e sobrecoxas  e  as coloquei no pote de barro. Retirei todo suco e resíduos  que haviam ficado na gordura - para evitar uma possível deterioração - aqueci novamente e derramei sobre a carne. Selei o pote e... guardei na geladeira. Isso mesmo, hoje temos geladeira, freezer e tantos outros métodos para armazenar alimentos.

Em tempos passados, o mundo também precisava armazenar alimentos e não dispunha de meios modernos para ajudar. Então, além da salga e  outras poucas técnicas, aprendemos a cozinhar  peças de carne e guardá-las cobertas com uma grossa camada de gordura, evitando o contato com o ar - estavam confitando.  Por séculos foi assim que se garantiu o consumo de carne durante todo o ano.

Embora não precisemos mais cozer alimentos desse modo para armazená-los, utilizamos a técnica por  resultar num sabor muito bom. O confit deixa a carne  untosa, suculenta, macia e numa pele que, se adequadamente reaquecida, fica crocante e gostosa.  No uso moderno - segundo Harold McGee - o  conceito de preservação do confit perdeu força para os de imersão, impregnação, transição de sabores e preparação lenta e cuidadosa.

O confit de canard, surgiu no sudoeste da França, no século 19. E até hoje, tal qual a tigelinha de feijão em geladeiras brasileiras, é difícil por lá uma casa  sem um pote de pato confitado. Muito apreciado no Natal e almoço de domingo, o prato é servido com batatas ou legumes, arroz, desfiado com saladas e indispensável à feijoada francesa, o cassoulet.



Na última segunda-feira, de folga, convidei um casal de amigos para jantar em casa - um ótimo e agradável pretexto para dar cabo a minha ansiedade, afanar algumas coxas do pote, ver a quantas andavam. E, entre conversinhas e bebidinhas, colocar em prática meus atributos  culinários. Retirei algumas peças, deixei uma parte generosa da gordura  sobre a pele e levei ao forno já  aquecido. À medida que a gordura foi derretendo, a casa foi invadida por aromas deliciosos -  e pelo vidro do forno acompanhei a transformação da  pele . Deixei mais alguns minutos para que a tal  reação de Maillard terminasse e deixasse a pele dourada. Perfeita.

Para acompanhar, nada muito complicado. Batatas sauté com alho e salsinha e  cogumelos frescos cozidos na gordura, que se desprendeu do pato.

Ah, e um bom Merlot aveludado e macio de Saint Emilion, Bordeaux, França.

Inté!





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