Na véspera do cozimento, preparei uma marinada seca com tomilho, sálvia e alecrim e envolvi nos pedaços de carne. Uma lua depois, os cortes de pato foram bem secados, imersos na gordura, e aquecidos suave e gradativamente por algumas horas, tentando a todo custo não deixar a temperatura ultrapassar os 90ºC - a ideia é ter uma carne cozida e não frita, manter a temperatura baixa é fundamental para um verdadeiro confit. Findo esse processo, drenei as coxas e sobrecoxas e as coloquei no pote de barro. Retirei todo suco e resíduos que haviam ficado na gordura - para evitar uma possível deterioração - aqueci novamente e derramei sobre a carne. Selei o pote e... guardei na geladeira. Isso mesmo, hoje temos geladeira, freezer e tantos outros métodos para armazenar alimentos.
Em tempos passados, o mundo também precisava armazenar alimentos e não dispunha de meios modernos para ajudar. Então, além da salga e outras poucas técnicas, aprendemos a cozinhar peças de carne e guardá-las cobertas com uma grossa camada de gordura, evitando o contato com o ar - estavam confitando. Por séculos foi assim que se garantiu o consumo de carne durante todo o ano.
Embora não precisemos mais cozer alimentos desse modo para armazená-los, utilizamos a técnica por resultar num sabor muito bom. O confit deixa a carne untosa, suculenta, macia e numa pele que, se adequadamente reaquecida, fica crocante e gostosa. No uso moderno - segundo Harold McGee - o conceito de preservação do confit perdeu força para os de imersão, impregnação, transição de sabores e preparação lenta e cuidadosa.
O confit de canard, surgiu no sudoeste da França, no século 19. E até hoje, tal qual a tigelinha de feijão em geladeiras brasileiras, é difícil por lá uma casa sem um pote de pato confitado. Muito apreciado no Natal e almoço de domingo, o prato é servido com batatas ou legumes, arroz, desfiado com saladas e indispensável à feijoada francesa, o cassoulet.
Na última segunda-feira, de folga, convidei um casal de amigos para jantar em casa - um ótimo e agradável pretexto para dar cabo a minha ansiedade, afanar algumas coxas do pote, ver a quantas andavam. E, entre conversinhas e bebidinhas, colocar em prática meus atributos culinários. Retirei algumas peças, deixei uma parte generosa da gordura sobre a pele e levei ao forno já aquecido. À medida que a gordura foi derretendo, a casa foi invadida por aromas deliciosos - e pelo vidro do forno acompanhei a transformação da pele . Deixei mais alguns minutos para que a tal reação de Maillard terminasse e deixasse a pele dourada. Perfeita.
Para acompanhar, nada muito complicado. Batatas sauté com alho e salsinha e cogumelos frescos cozidos na gordura, que se desprendeu do pato.
Ah, e um bom Merlot aveludado e macio de Saint Emilion, Bordeaux, França.
Inté!

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